CRÍTICA – PRISCILLA

CRÍTICA – PRISCILLA

Um conto de fadas: deslumbre e vazio.

Sou completamente encantada pela maneira que Sofia Coppola nos apresenta e nos aproxima de suas protagonistas, ela constrói esses relacionamentos sempre com muita calma e respeito. Suas mulheres melancólicas são banhadas em sonhos, em névoa e em memórias, e todas são levadas a serem enjauladas por serem quem são. Aqui, conheceremos Priscilla, que foi casada com o cantor Elvis Presley, o filme tem como base o livro biográfico “Elvis e Eu” escrito pela própria Priscilla em 1985. Iremos acompanhá-la durante seus anos ao lado do cantor, que começou quando ela tinha apenas 14 anos, sua vida e sua balança entre: felicidade, tristeza e solidão.

Em Priscilla, somos embalados em um conto de fadas. A diretora nos ambienta em uma estética de deslumbre, sonhos, amores e ilusões. Além disso, a jovialidade da protagonista aguça ainda mais nosso olhar sobre o mundo, pois sua inocência perante as outras pessoas é tremendamente preocupante e provém de sua pouca idade. O relacionamento dela com Elvis se constrói entre deleites e devaneios, pois, enquanto ele se deleitava com Priscilla e sua beleza, ela confabulava ilusões com um cantor intocável e adulto. Gosto bastante que a diretora reitera a todo instante a idade de Priscilla e o fato dela ainda estar no colégio, isso porque é importante explicitar, e não romantizar, que se relacionar com crianças e adolescentes não é romântico. O relacionamento entre uma adolescente de 14 anos e um adulto é pedofilia. Nessa história Elvis é um homem e nesse filme Priscilla importa.

Acompanhar o início da relação dos dois é bem desconfortável, porque desde o começo é perceptível a disparidade de vivências e de onde virá a autoridade base que permeará a relação. Portanto, durante todo o filme iremos ver a crescente agressividade que Elvis direcionará a Priscilla. Com o passar dos anos, a dependência emocional criada é gigantesca e pouco a pouco vemos o apagamento de quem Priscilla um dia foi, a quantidade de violência pela qual ela passou é avassaladora e incômoda de assistir. Parece que a intenção de Elvis era construir um fantasma do que ele gostaria que ela fosse e suprimir tudo que ela era. A construção da imagem da mulher que é inexistente, a mulher “perfeita” que não existe, tal qual Judy Barton que interpreta Madeleine Elster interpretando Carlotta. “Um corpo que cai” (1958) de Alfred Hitchcock explicita muito bem o apagamento, a construção e determinação de expectativas que a sociedade projeta nas mulheres.

Tudo nesse filme foi pensado e feito com esmero. É muito crível toda a reconstrução da época, os figurinos e penteados são encantadoramente similares. Ademais, a estética de como Priscilla se vestia, se maquiava e se penteava foi transmitida fielmente. É possível colocar um frame do filme ao lado de uma fotografia original e se impressionar com o trabalho do design de produção feito aqui. A névoa que embala nossa protagonista é representada por uma delicadeza que beira ao desespero, pois, a vida exuberante é uma farsa, tudo é oco. A tristeza e a candura antagonizam e são inerentes aos espaços sóbrios e vazios em que elas se encontram. Coppola transmite em tela a sensação de confinamento e solidão desde seu primeiro filme, As Virgens Suicidas (1999), e ela o faz com melancolia e beleza.

O filme de Sofia Coppola não é uma resposta ao filme Elvis (2022), dirigido por Baz Luhrmann, contudo, em certo sentido, poderia ser. Isso porque, a escolha de invisibilizar a pedofilia praticada pelo cantor é uma escolha totalmente racional, que embasa o intuito de exaltação e validação da figura pública que Elvis foi. Em um filme de quase três horas de duração, que retrata a trajetória dele desde a infância, é muito de mal gosto a maneira que Priscilla e sua relação com o cantor foi retratada. Além disso, gostaria de ressaltar que, no filme de Coppola, há uma cena de cerca de 10 segundos, em que a figura dele é brilhantemente mostrada enquanto ícone musical e símbolo emblemático. Coisa que não acontece de forma alguma durante o vergonhoso longa-metragem de Luhrmann, que mais parece interessado em ser um vídeo do YouTube completamente desinteressante.

No começo do filme acompanhamos imagens com cortes rápidos de objetos e ações, intercalando aos créditos iniciais. Com o início do filme, conhecemos as vidas fragmentadas que conduzirão a narrativa, as imagens são fragmentos palpáveis. Em contrapartida, os estilhaços das vidas não são materiais, as dores são invisíveis. Coppola abre o filme com imagens rápidas e o finaliza com a calma necessária que a protagonista precisava ter na sua vida. É um final honesto e emocionante, a trilha sonora traduz o que sentimos após acompanhar todas as violências que Priscilla passou e nos fica o desejo de abraçá-la.


Filme: Priscilla
Elenco: Cailee Spaeny, Jacob Elordi, Dagmara Dominczyk
Direção: Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Produção: Estados Unidos, Itália
Ano: 2023
Gênero: Drama, biografia, romance
Sinopse: Priscilla é um filme biográfico que conta a história do relacionamento de um dos casais mais famosos do mundo: Elvis e Priscilla Presley. Baseado no livro “Elvis e Eu”, escrito por Priscilla, e protagonizado por Cailee Spaeny  e Jacob Elordi, o filme segue o ponto de vista de Priscilla após conhecer o astro do rock em uma festa, quando ela ainda era apenas uma adolescente de 14 anos. Mas a paixão que, inicialmente, era formada por parceria e vulnerabilidade logo toma um rumo conturbado quando o cantor começa a mostrar um lado diferente daquele venerado nos palcos.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Sony Pictures, Mubi
Streaming: Indisponível
Nota: 9

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