CRÍTICA – PLANO 75

CRÍTICA – PLANO 75

Plano 75 (Hayakawa, 2022), exibido no festival de Cannes em 2022, conduz o espectador a um Japão distópico. Para lidar com os problemas do envelhecimento social, o governo aprova uma estratégia onde, idosos com mais de 75 anos são encorajados a (e obtém todo o suporte legal para) cometer eutanásia. A obra de Hayakawa se passa três anos após o plano entrar em vigor, e mostra como o mesmo se manifestou dentro da sociedade.

O início do Plano 75

A primeira coisa que chama a atenção em Plano 75 (Hayakawa, 2022) é a cena de abertura. Um homem comete suicídio como uma forma de protesto no dia em que o plano é aprovado. É um momento violento, brutal e, acima de tudo, triste. Iniciar o filme com este momento estabelece uma certa ideia de que a obra pode seguir um tom parecido. Não necessariamente violento, mas por uma linha narrativa onde exista uma aura de revolta constante. Protestos, rebeliões, alvoroços.

Entretanto, três anos se passam e o espectador é apresentado a um Japão onde o plano 75 já está integrado na sociedade e é, aparentemente, tratado como algo banal. Assim sendo, parece que a cena inicial está deslocada do resto da obra, sendo percebida como algo pontual. Aliás, pode até ser encarada como uma espécie de epílogo. Entretanto, em um tom transposto do que o assumido pela história que vem a seguir. 

Envelhecimento no Japão

A pirâmide etária do Japão é um problema real, que volta e meia entra em tona novamente. Poucas pessoas estão nascendo, muitas envelhecendo; gerando problemas econômicos que vão desde a escassez da mão de obra jovem até o aumento do custo da previdência social do país.

Dessa maneira, Plano 75 (Hayakawa, 2022) acaba encontrando seu lugar em uma crítica à maneira como a sociedade japonesa encara essa situação. Sob essa ótica, percebemos a falta de revolta da população de uma maneira diferente. Em outras palavras, a obra quer discutir como a sociedade do país poderia normalizar a assustadora possibilidade daquela realidade.

Narrativa em núcleos

Em virtude disso, Hayakawa decide estruturar sua narrativa em diferentes núcleos. Focos que não são necessariamente conectados por seus personagens, mas através da existência do plano 75. Ou seja, a diretora decide utilizar de histórias de pessoas de alguma maneira conectadas àquilo para explorar a relação delas com a proposta. Por conseguinte, a obra esquadrinha diversas facetas do plano.

Hiromu (Hayato Isomura), um funcionário do governo, que tem como função atrair idosos para o plano, se choca quando percebe que seu tio se inscreveu à eutanásia. Ineko (Hisako Ôkata), uma idosa que suas amigas dissuadiram a se inscrever, se encontra em dúvida sobre a decisão. Michi (Chieko Baisho), uma mulher que trabalha com suporte emocional aos inscritos no plano, se apega à Ineko. Ou Maria (Stefanie Arianne), imigrante que em busca de dinheiro encontra uma vaga de emprego na funerária que lida com os corpos oriundos da eutanásia. 

Todos estes personagens compõem núcleos primordialmente separados, mas que ajudam a obra a construir uma imagem completa do impacto do plano 75 na sociedade e de como as pessoas usufruem, ou se beneficiam, dele. Dessa maneira, Hayakawa reforça a ideia de que, por mais absurda que pareça ser a situação, é algo que aquele mundo normalizou e integrou. 

Plano 75 e a vida real

Por consequência, Plano 75 (Hayakawa, 2022) revela sua disposição em criticar a maneira como o Japão contemporâneo trata sua população de terceira idade. Isto é, com indiferença. Para os personagens da obra, que Hayakawa enfatiza como um reflexo da realidade, pouco importa se eles vivem ou morrem. Ou, melhor dizendo, dentro do filme a morte é um desejo. Algo que deve ser imputado aos idosos para ser estimado. 

Dessa maneira, o filme estabelece um diálogo sobre como a sociedade enxerga essa faixa etária como um problema. Em outras palavras, os jovens consideram que eles são um peso a ser sustentado. Assim sendo, Plano 75 (Hayakawa, 2022) não só critica essa ótica — com momentos bem explícitos, onde jovens se veem na obrigação de ajudar idosos que não estão querendo ajuda naquele momento; uma ideia de quebra da independência — como também reforça a concepção da solidão na terceira idade. Os amigos morrem, a família abandona, a sociedade despreza. Sob essa perspectiva, o filme leva o espectador ao choque pela constatação de que a opção por abandonar a vida não é tão surpreendente assim.

Muleta do discurso

Entretanto, por mais que Plano 75 (Hayakawa, 2022) tenha um discurso muito presente (e paralelamente assustador e triste), parece cair num certo conforto. Isto é, se apoia tanto nessa mensagem que conta apenas com ela e não tem muito para onde ir além disso. Dessa forma, um certo tempo dentro do longa já é perceptível a pretensão, e a obra fica se repetindo dentro disso. Por consequência, parece que os personagens entram em piloto automático, e prosseguem a fazer os mesmos pontos que já estavam desde o começo. Em virtude, a cena de abertura se torna ainda mais deslocada, pois se revela como o único momento que Plano 75 (Hayakawa, 2022) se permite tentar algo diferente.


Pôster do filme Plano 75, da diretora Chie Hayakawa. Filme: Plano 75
Elenco: Hayato Isomura, Hisako Ôkata, Chieko Baisho, Stefanie Arianne
Direção: Chie Hayakawa
Roteiro: Chie Hayakawa
Produção: Japão
Ano: 2022
Gênero: Drama, Ficção Científica
Sinopse: Para lidar com os problemas do envelhecimento social, o governo do Japão aprova uma estratégia onde, idosos com mais de 75 anos são encorajados a cometer eutanásia.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Sato Company
Streaming: Indisponível
Nota: 6,0

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