CRÍTICA – SEUS OSSOS E SEUS OLHOS

CRÍTICA – SEUS OSSOS E SEUS OLHOS

Mirando numa comoção dramática, o filme alcança uma exaustão. A primeira cena já desperta uma rejeição, digamos. Ninguém se prepara para, logo de cara, receber algo meio Fernando-Pessoa-meia-boca. O filme é todo carregado. Mal dirigido e roteirizado. Há, também no início, uma cena que gera profundo distanciamento, não pelo desconforto nela retratado, mas pela forma desconfortável/desastrosa a qual a direção nos apresenta a cena. Que tenha existido algo assim no roteiro, é comum e compreensível. Mas algo assim passar pelo crivo de qualquer/quaisquer outra (s) pessoa (s) é minimamente preocupante.

É um bom exercício para cineastas assistirem. Precisamos errar e reconhecer os erros. Na melhor das hipóteses, aprender com eles. No filme, há muitos, como disse, ligados à direção e ao roteiro. As falas, a preparação e direção do elenco, as cenas. Tudo, em síntese, caberia muito bem numa peça teatral. Mas não é. Isso é cinema. E o cinema parte do princípio da identificação de forma muito particular e diferente de todas as outras expressões artísticas que incluem a encenação e a representação. Christian Metz, em “A significação no cinema”, resumidamente nos diz que buscar trazer elementos muito teatrais ou “fabulosos” para uma linguagem tão próxima do real, como o cinema em termos técnicos e comparativos, é perigoso porque “corre sempre o risco de não parecer senão como a simulação por demais real de um imaginário sem realidade”. E por “imaginário sem realidade” podemos pensar em um roteiro que não incorpora suficientes elementos da realidade capazes de gerar a tão sonhada imersão, identificação com/no público. Claro, há filmes surrealistas. No entanto os melhores cumprem os acordos feitos conosco, público. Acordo esse feito no preparo, na ambientação, na sua proposta que se apresenta de forma conjunta, unindo elementos que não forneça indícios suficientemente compreensíveis. Não há acordo ou pacto entre a obra e o público se não há coerência entre as ferramentas utilizadas para construção da obra e sua linguagem. É o problema com o qual nos deparamos no filme.

E toda essa inadequação técnica parece incompatível com a sua narrativa, com o que o filme busca transmitir: uma história de amor. Um tanto clichê. E, quando se trata de amor, nem sempre são ruins os clichês. Se na direção de atores, na montagem e na criação de cenas, o filme comete graves equívocos capazes de distanciar o público do universo por ele apresentado, a paixão que o filme narra busca promover o oposto. Mas sozinha não consegue. Não há como assistir ao filme sem lembrar do brilhante “Eu Sei Que Vou Te Amar”. Com todo respeito, aquilo sim equilibra poética e técnica de forma a transferir a atmosfera alucinada da paixão, das memórias, do amor romântico e suas variações/diálogos.


Filme: Seus Ossos e Seus Olhos
Elenco: Caetano Gotardo, Malu Galli, Vinícius Meloni, Carlos Escher, Carlota Joaquina, Larissa Siqueira, Marina Tranjan, Wandré Gouveia, Daniel Turini, Irene Dias Rayck
Direção: Caetano Gotardo
Roteiro: Caetano Gotardo
Produção: Brasil
Ano: 2019
Gênero: Drama
Sinopse: João, cineasta de classe média, passa por uma série de encontros com pessoas como Irene, sua amiga de longa data; Álvaro, seu namorado; Matias, um rapaz que vê no metrô e com quem se envolve sexualmente, entre outros conhecidos e desconhecidos. Esses encontros o afetam e revelam aos poucos um jogo de tempos que mistura vida e processo de criação, presente e memória.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Descoloniza Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 4,0

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