CRÍTICA – A BATALHA DE SOLFERINO

CRÍTICA – A BATALHA DE SOLFERINO

A diretora francesa Justine Triet ganhou destaque ao vencer a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2023 com seu filme Anatomia de uma Queda, consolidando uma trajetória prolífica de mais de 10 anos no fazer cinematográfico, que ganhou atenção a partir de seu primeiro longa A Batalha de Solferino que acompanha o acirrado segundo turno das eleições francesas de 2012 através do dia tumultuado de Laetitia, uma jornalista, mãe de duas bebês e divorciada, que trabalha na cobertura da apuração eleitoral na vibrante e lotada Rua Solferino, onde fica a sede do Partido Socialista.

O filme se inicia com o ritmo caótico e cotidiano de Laetitia que tenta se arrumar para o trabalho enquanto acalma suas filhas pequenas, que não param de chorar, com a ajuda de seu namorado Virgil. Logo recebem o babá que irá cuidar das crianças durante o dia, neste momento, na calçada de frente ao apartamento, surge Vincent, o ex-marido da jornalista que veio ver as filhas, Laetitia logo deixa claro que não quer ele com as crianças e avisa o babá para não deixar ninguém entrar. Logo de início já temos o tom realista documental do filme, que constrói essa história de um único dia a partir de um forte sentimento de imediatismo, com uma fotografia teoricamente despreocupada, que se movimenta junto aos corpos mas mantém certa estabilidade nos enquadramentos formados no calor do momento, aliada a uma montagem de cortes secos, rápida e às vezes frenética.

Esse grau de realismo realmente casa com a proposta de A Batalha de Solferino, uma ficção de baixo orçamento diretamente atravessada pelo documental, seja por ser filmada no dia, hora e lugar exatos da apuração do segundo turno francês, havendo depoimentos reais de eleitores, seja por ter um roteiro em aberto que iria depender do resultado presidencial ainda incerto durante as filmagens ou ainda por ter atuações contaminadas pelo momento real da multidão eleitoral e pela disposição variável das bebês atrizes.

Com o avanço da narrativa, acompanhamos essa disputa parental se desenrolar junto à eleitoral, as tensões se formam conforme Vincent tenta chegar até suas filhas com os presentes que comprou, tentando atravessar as interdições, judiciais ou personificadas, criam-se situações desconfortáveis e cômicas, com diálogos que mostram o lado ridículo dessa disputa. As tensões se elevam e culminam junto ao suspense coletivo sentido na multidão, no qual se dá ao embate entre Laetitia e Vincent paralelo a disputa próxima da casa dos 50 a 50% de Nicolas Sarkozy, de direita, contra François Hollande, de esquerda. 

Justine Triet escolhe tratar um contexto de divisão política a partir do indivíduo, sem motivações por contraposições ideológicas, apenas afetos e desafetos, questões da vida privada familiar que se mostram tão políticas quanto a política real, nos sentidos burocráticos ou patriarcais dela, por exemplo. Dessa forma, querendo ou não, o olhar de A Batalha de Solferino também reflete um sentimento apolítico de seu tempo, contemporâneo mas em seu ápice nas décadas de 2000 e de 2010, característico de um momento de disputa já conciliada sob a democracia burguesa, momento de disputa eleitoral mas não radicalmente política. 

Na França de 2012 não havia um embate de forças intrinsicamente opostas, eram dois candidatos de centro, um liberal conservador e um progressista, mesmo sendo um país com forte histórico de interesse ideológico, teórico e prático, era uma disputa um tanto parecida com a da guarda parental, haveriam diferenças substanciais conforme quem as filhas da nação francesa ficassem sob tutela mas no fim estariam regidas pela mesma estrutura material, burocrática, familiar e capitalista. 

Sob essas escolhas discursivas, comparativas e estéticas, o filme constrói expectativas, atingindo algumas mas deixando a desejar. Mesmo com o tom realista documental, mesmo com a vontade de extrair a potência real dos conflitos ficcionais, as escolhas de desenvolvimento dos personagens impedem que o filme tenha tal força, as brigas e situações inconvenientes caem sob um olhar de cômico, ridículo, de desventuras do cotidiano, ao invés de ir somando e construindo o nível dramático esperado de certas cenas, que acabam soando um tanto banais, o humor é suave e está nessas situações e diálogos. Talvez meu incômodo venha do fato de ser um filme formalmente criativo sob seu contexto, bem construído, fechado, esteticamente ambicioso e forte, mas que substancialmente na narrativa é ameno, não indo nem tanto pro lado do drama e tão pouco para o lado da comédia, sendo estranho chamá-lo de dramédia, contendo muitas ambições mas no fim sendo meio banal, talvez por tão reais e ridículas serem as dinâmicas mostradas nele.


Filme: La Bataille de Solferino (A Batalha de Solferino)
Elenco: Laetitia Dosch, Vincent Macaigne, Arthur Harari
Direção: Justine Triet
Roteiro: Justine Triet
Produção: França
Ano: 2013
Gênero: Drama, Comédia
Sinopse: Em 6 de maio de 2012, dia do segundo turno das eleições presidenciais francesas, a jornalista de TV Laetitia está saindo de casa atrasada para sua missão de cobrir os eventos na Rue de Solferino (na sede do Partido Socialista) quando seu ex, Vincent, chega um dia atrasado ao horário marcado pelo tribunal para visitar suas duas filhas.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Shellac Distribution
Streaming: FILMICCA
Nota: 7,5

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