CRÍTICA – OMEN (AUGURE)

CRÍTICA – OMEN (AUGURE)

Após passar anos na Bélgica, Koffi, um jovem congolês, decide retornar à sua cidade natal, Kinshasa, com sua esposa belga, Alice, com o objetivo de pagar o dote ao seu pai. Essa prática cultural consiste em um pagamento simbólico como forma de demonstrar gratidão pelo apoio recebido ao longo dos anos. No entanto, ao chegar lá, Koffi precisa enfrentar o preconceito e a desconfiança por parte de sua família e comunidade.

Sendo o primeiro longa congolês a estrear em uma mostra competitiva do Festival de Cannes e a vencer o prêmio ‘Nova Voz’, Omen utiliza o protagonista como uma alegoria fascinante. Logo no início, somos apresentados a Alice raspando o cabelo afro de Koffi antes de sua viagem ao Congo, o que simboliza a perda de suas raízes enquanto ele vive na Europa. Baloji cria, então, um paralelo interessante em que Koffi, sendo africano, não consegue falar sua língua materna fluentemente e teve seu comportamento totalmente ocidentalizado.

Koffi é a personificação de uma África invadida por valores europeus, retratando a convulsão social que historicamente foi causada pela Europa no continente africano, especialmente durante o processo de partilha da África ocorrido no final do século XIX e início do século XX. Essa convulsão é simbolizada pelos ataques epiléticos que o personagem sofre em vários momentos ao longo do filme.

É interessante observar que os ataques epiléticos e os sangramentos no nariz de Koffi, causados pelo alto nível de estresse, são vistos naquela cultura como manifestações de um mal demoníaco. À primeira vista, essa visão do diretor pode ser interpretada de forma problemática, especialmente através dos rituais em que tentam expulsar o demônio de Koffi. Esses rituais frequentemente fazem referências a passagens bíblicas ou termos cristãos, como se o diretor quisesse destacar como a Europa ocidentalizou muito da cultura africana e da região, e agora ela mesma se assusta e estereotipa aquilo que ela mesma pratica e criou.

Ao mesmo tempo, Koffi é frequentemente retratado como perdido quando está em seu país natal. Isso é demonstrado pela excelente atuação de Marc Zinga, que transmite seu desconforto ao se reunir com seus familiares. Um exemplo disso é quando Koffi está em um ônibus em busca de seu pai, vestindo uma roupa formal e branca em contraste com os outros passageiros que usam roupas azuis de trabalho. Ao descer do ônibus, Koffi é enquadrado em primeiro plano, com uma profundidade de campo reduzida, criando um cenário desfocado que desconecta o protagonista daquele lugar. O filme frequentemente retrata essa falta de pertencimento, isolando Koffi várias vezes no enquadramento, enquanto os outros familiares geralmente são enquadrados juntos.

No entanto, Omen peca em alguns momentos. Baloji parece ter dificuldade em introduzir alguns personagens de maneira fluída e acaba precisando apresentá-los através de letreiros, dando a sensação de que esses novos personagens serão o foco da narrativa. No entanto, minutos depois, a narrativa retorna ao foco principal em Koffi. Isso ocorre em dois momentos. Primeiro, quando é apresentada sua irmã, Tshala, cuja história está de certa forma entrelaçada com a de Koffi. No entanto, Baloji inclui uma subtrama sobre ela ter contraído IST (Infecção Sexualmente Transmissível) de seu namorado e ter participado de mais um ritual. Essa subtrama parece ter apenas a função de reforçar o que já foi dito.

Mais problemática é a introdução de outro personagem, Paco, que realmente não tem nenhuma relevância para a trama principal. Sua subtrama é totalmente desconexa da história principal e consome um tempo precioso do filme. Sempre que essa subtrama aparece na tela, cria uma grande quebra na experiência do espectador. Um bom exemplo é na cena em que Baloji abraça a fantasia e coloca paco em meio a uma floresta encantada em que procura sua irmã morta. Além da quebra na experiência, essa cena destoa no tom que o filme vem adotando até então.

No entanto, Baloji é extremamente competente na criação de seus simbolismos. A longa busca de Koffi por seu pai, que nunca é encontrado e pode até estar morto, é refletida na necessidade de colocar pedras no caixão vazio para realizar o enterro. Isso representa o legado da separação causada pelas políticas coloniais e pela história da escravidão, que resultaram em famílias fragmentadas e perdas irreparáveis. É uma poderosa crítica às consequências do colonialismo e à diáspora africana, tornando Omen um daqueles filmes que traz discussões e visões importantes para o debate.


Filme: Omen (Augure)
Elenco: Marc Zinga, Lucie Debay, Eliane Umuhire, Yves-Marina Gnahoua
Direção: Baloji Tshiani
Roteiro: Baloji Tshiani
Produção: Bélgica, República Democrática do Congo, França, Holanda, África do Sul
Ano: 2023
Gênero: Drama
Sinopse: Depois de passar anos na Bélgica, um jovem congolês retorna à sua cidade natal, Kinshasa, para confrontar as complexidades de sua família e cultura.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Wrong Men
Streaming: Não disponível
Nota: 8,0

Filme exibido no Festival de Cannes de 2023

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