CRÍTICA – A PEQUENA SEREIA (2023)

CRÍTICA – A PEQUENA SEREIA (2023)

A estratégia da Disney de produzir live-actions de suas produções animadas do século passado não é lá uma novidade, Desde os anos 90 já éramos apresentados a 101 Dálmatas com Glenn Close de Cruella, por exemplo. Contudo, é fato que isso só foi se consolidar a partir de 2014 com Malévola, Cinderella e, principalmente, depois do sucesso comercial de A Bela e a Fera, que ultrapassou a casa dos 1 bilhão de dólares no mundo todo. No entanto, a grande maioria deles carecem de um propósito que não seja fazer a máquina de dinheiro girar – no pitch dos executivos eles usam a desculpa de “atualizar a obra para uma nova geração”. E, por conta disso, se tornam produções sem qualquer coração e fundamento que vai além do apelo comercial. O ponto é que com A Pequena Sereia, a Disney conseguiu fazer pela primeira vez um live-action cuja razão de ser está muito clara: celebrar a diversidade e a mostrar a importância da representatividade ao atualizar uma de suas obras mais emblemáticas quase 35 anos depois.

Nos primeiros minutos já observamos sereias negras de black power, ruivas, morenas e orientais. Mas é na escalação de Halle Bailey (guardem esse nome, ainda vamos escutar muito sobre ela) como Ariel que isso se torna de fato significativo, ao trazer protagonismo negro para uma história tão popular quanto A Pequena Sereia.

O seu anúncio, no entanto, foi carregado de uma polêmica desnecessária e a atriz foi bombardeada por comentários racistas que tentaram descredibilizar o seu momento de viver uma princesa da Disney. O tema era praticamente o mesmo: “a Ariel da animação é branca e ruiva”, “ela não parece com a personagem”, “não vai ser fiel ao original” e por aí vai. Sim, Bailey obviamente não se parece fisicamente com a Ariel da animação e não faz sentido ela ser, até porque não são as características físicas da personagem que fazem ela ser quem é – afinal, é só fazer um pequeno esforço para lembrar que príncipe Eric (Jonah Hauer-King) não reconhece Ariel pela cor da sua pele e sim pela sua voz encantadora, e isso Bailey tem de sobra.

A atriz é de longe o maior ponto positivo do filme, e é graças a ela que A Pequena Sereia funciona como deveria. Bailey traz um ar doce e inocente para a sua Ariel e dá vida a personagem sabendo da responsabilidade que tem em mãos. A sua voz, nem se fala. O primeiro teaser do live-action deu uma pequena palinha do seu talento musical com um recorte de ‘Part Of You World’. Felizmente, o estúdio não revelou muito em seus trailers, então ainda é possível se surpreender na sala de cinema com o seu alcance vocal que arrepia qualquer um.

Rob Marshall também tem os seus méritos por focar nas principais qualidades de Bailey e fazê-la brilhar. Além disso, o diretor de Chicago foi contratado para trazer uma apreço especial para os números musicais e o resultado é realmente muito acima do que era esperado. ‘Part Of Your World’ carrega um ar mais melancólico do que seu antecessor, ao focar numa fotografia escura e com focos de luz estrategicamente posicionados para captar a feição triste de Ariel. ‘Under The Sea’, por outro lado, é um verdadeiro espetáculo de cores. ‘Kiss The Girl’ talvez seja uma das mais divertidas de assistir e nos relembra do porque amamos e nos encantamos por essas histórias. Por falar de música, Lin Manuel-Miranda se junta ao compositor original da animação, Alan Menken, para trazer mais três novas canções originais. Entre elas: um momento para o príncipe também soltar a sua voz e os seus dramas em ‘Wild Uncharted Waters’, ‘For the First Time’ cantada por Bailey para preencher a trama no momento em que está sem voz e ‘Scuttlebutt’.

Este último é um rap sensacional entre Sabidão (Awkwafina) e Sébastian (Daveed Diggs), o que nos leva a outro diferencial de A Pequena Sereia e de outros live-actions que tem animais falantes como personagens (O Rei Leão e A Dama e o Vagabundo) que é a utilização do fotorrealismo. A proposta deste tipo de efeito visual é interessante. Em Duna, por exemplo, os animais extraterrestres são incríveis e muito bem detalhados, mas eles são apenas animais. Nos filmes da Disney essas criaturas cantam, dançam, nos fazem rir e chorar. Seria necessário uma abordagem que flertasse com o trabalho que a equipe dos Guardiões da Galáxia Vol. 3 ou Detetive Pikachu fizeram. Caso contrário soa muito estranho e até mesmo incoerente com o que a Disney construiu enquanto estúdio e empresa de entretenimento, pois se aproximar da realidade é se distanciar do caráter imaginativo de lúdico. E não imagino que a proposta da empresa tenha mudado depois de 100 anos.

Dito isso, é muito difícil de se acostumar com o Linguado (Jacob Tremblay) do live-action; não superei ele ter saído de um peixinho fofo e expressivo para um linguado (desculpa, mas feio) de verdade. Sabidão e Sebastian estão melhores nesse sentido e esse meio-termo de animais com “expressões um pouco mais humanas” é empregado em ambos. Tanto que a química entre Ariel e estes dois são muito mais divertidas do que com o coitado do peixe.

No mais, o visual do filme não deixa muito a desejar. Existem sim momentos em que o ambiente parece não possuir uma unidade estética – em algumas cenas as cores praticamente saltam à tela e em outros o oceano está tão escuro que é até difícil distinguir as cores. O problema desse tipo de abordagem está na iluminação, que muda o tempo todo o foco de luz que torna as cenas embaixo d’água bastante artificiais. Felizmente, a presença hipnotizante de Bailey rouba todo o campo de visão e estes problemas pouco importam.

A história de A Pequena Sereia segue fiel a animação focando nos embates com o seu pai (Javier Bardem) seguido do encontro em que Úrsula (Melissa McCarthy) a manipula para conseguir o que quer. Infelizmente, Bardem não tem muito espaço para construir o seu personagem além do seu arquétipo de “pai controlador e super-protetor”, enquanto McCarthy tem mais espaço para trazer a sua identidade para uma das vilãs mais icônicas da Disney. Ainda que ela tenha conseguido fazer um bom trabalho, é impossível contornar as comparações com a animação clássica. A Úrsula passava um sentimento de medo e um ar não confiável de imediato que McCarthy não consegue passar. Isso não prejudica a história como um todo, mas certamente não empolga quem esperava ver uma vilã maléfica e caricata.

Por mais que A Pequena Sereia tenha sim os seus altos e baixos, principalmente por perder força quando perde a sua protagonista de vista e explora momentaneamente outros personagens, não é exagero falar que o longa é, até então, o melhor live-action que a Disney já fez – ainda que não seja uma tarefa muito difícil. A Pequena Sereia se consagra pela decisão corajosa de escalar Halle Bailey como Ariel e se diferencia dos demais por fazer o que nenhum outro remake do estúdio fez: encantar.


Filme: The Little Mermaid (A Pequena Sereia)
Elenco: Halle Bailey, Melissa McCarthy, Javier Bardem, Awkwafina, Daveed Diggs, Jacob Tramblay, Jonah Hauer-King e Noma Dumezweni
Direção: Rob Marshall
Roteiro: David Magee
Produção: Estados Unidos
Ano: 2023
Gênero: Fantasia | Romance | Musical
Sinopse: Uma jovem sereia faz um acordo com uma bruxa do mar para trocar sua bela voz por pernas humanas para que possa descobrir o mundo acima da água e impressionar um príncipe.
Classificação: Livre
Distribuidor: Walt Disney Studios
Streaming: em breve no Disney +
Nota: 7,8

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