CRÍTICA – PLUTO

CRÍTICA – PLUTO

Os robôs que mentem pluto

Ao longo dos anos, tem havido diversos insights sobre o que motiva a persistência da vida humana, especialmente o que impulsiona os seres humanos a preservar suas memórias de forma eterna. Para os existencialistas, a existência humana é permeada pela angústia, pelo absurdo e pela náusea decorrente da falta de sentido além da própria existência. Na minissérie “Pluto”, dirigida por Toshio Kawaguchi, humanos e robôs coexistem, embora os robôs possuam uma vantagem temporal na retenção de memórias. A trama se desenrola a partir de um assassinato, o de um robô. Surpreendentemente, este evento não evidencia uma desconexão humana com essas criaturas, mas sim uma preocupação intrínseca com cada componente que constitui sua essência física. Em uma linha temporal alternativa, o passado é entrelaçado com os eventos do presente e do futuro, onde os robôs se tornam ferramentas nas mãos dos humanos, e toda a execução de atos horrendos é realizada por meio dessas ferramentas e armas de guerra. Em “Pluto”, a complexidade dos cérebros desses seres é destacada, pois eles têm a capacidade de mentir e reconhecem a dor que causam com suas armas. 

Com base na estrutura narrativa e no esqueleto de Astro Boy, Naoki Urasawa, criador do mangá, resgata esses elementos para explorar as dinâmicas das forças no universo que ele recria. Em um lado, há sete robôs japoneses considerados perfeitos tanto para combate quanto para convivência, enquanto, nas margens, surge um ser de dois chifres chamado “Pluto”, que começa a destruir (ou matar) esses robôs tidos como perfeitos. A trama se desenrola em torno desses assassinatos, mas também explora como esses ‘’seres divinos’’ estão se aproximando cada vez mais dos humanos, sendo essencialmente impulsionados por sua própria identidade. Embora a história seja conduzida principalmente através de Gesicht, o robô detetive, a narrativa acompanha seus coadjuvantes para examinar como essas criaturas estão gradualmente se tornando mais semelhantes aos humanos, com afeto e angústia emergindo como seus principais motores.

Através dos quadros que acompanham Gesicht e seus paralelos narrativos com outros personagens, Pluto não apenas humaniza seus protagonistas, mas também estabelece um fio condutor que só pode ser plenamente compreendido com o avançar dos episódios. Embora compartilhe semelhanças com Blade Runner, especialmente em sua estética maneirista, Pluto se distancia ao contar uma história que vai muito além de Gesicht e seus companheiros, abrindo espaço para discussões complexas sobre interações humanas ausentes. Por mais que Blade Runner ofereça um campo de discussão amplo, sua compreensão tende a focar mais nos heróis e antagonistas do que no universo em si, dessemelhante de Pluto. Ao contrário dos personagens humanos que buscam dominação, os sete rostos representados, oito com Pluto, são impulsionados por motivos íntimos relacionados ao amor. Apesar do estereótipo de ferramentas de guerra após o genocídio, os robôs desejam principalmente experimentar as mesmas emoções dos humanos, como demonstrado em breves momentos de seu cotidiano.

De acordo com o existencialismo, nossas emoções estão intrinsecamente ligadas à condição humana, refletindo nossos instintos como um pensamento coletivo dos círculos que nos cercam. Quando esses indivíduos foram introduzidos na sociedade humana sem memórias particulares, uma das únicas condições para sua integração foi não causar dano aos humanos. No entanto, ao testemunharmos os eventos, percebemos que a substituição dos humanos pelos robôs na guerra foi apenas uma desculpa para evitar a responsabilidade de observar o sangue, quando na verdade, eles estão tentando se aniquilar mutuamente. Os crânios mecânicos podem ser volumosos no território de combate, mas o preço das consequências continua na carne humana. Os líderes que sentam em cadeiras sabem disso, mas preferem sublinhar uma culpa em volta das máquinas. 

Diante de um ambiente repleto de lacunas, onde Gesicht enfrenta as mais profundas sensações humanas, como a angústia, podemos perceber que a mentira e os “robôs que mentem” utilizam a narrativa fabulada como um método de socialização, assim como nós, humanos. A mentira, quando usada para aliviar o sofrimento alheio, não é necessariamente prejudicial, seu mecanismo pode ter sido prejudicado pelo nosso excesso humano. Os oito intérpretes que estavam constantemente ocultando suas dores, interligam-se em um último quadro juntos, dessa vez ilustrados no céu, onde Atom continua vivo e reimagina um cenário que todos estejam reunidos com suas legítimas posturas. 

Filme: Pluto
Elenco: Shinshu Fuji, Yoko Hikasa, Toshio Furukawa, Hiroki Yasumoto e Hidenobu Kiuchi
Direção: Toshio Kawaguchi
Roteiro: Tatsuro Inamoto e Heisuke Yamashita
Adaptação: Pluto (プルートウ Purūtō?), escrito por Naoki Urasawa
Produção: Japão
Ano: 2023
Gênero: Animação, Suspense, Drama
Sinopse: Num futuro distante, onde robôs humanóides sencientes se passam por humanos, alguém ou algo pretende destruir os sete grandes robôs do mundo. O principal detetive da Europol, Gesicht, é designado para investigar esses misteriosos assassinatos em série de robôs – o único problema é que ele próprio é um dos sete alvos.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Netflix
Streaming: Netflix
Nota: 10

 

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